segunda-feira, 22 de outubro de 2007

SUPERPOPULAÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS


O interesse pelo tema “As consequências da superpopulação na sociedade moderna: Uma análise dos impactos ambientais e das transformações tecnológicas da sociedade global na vida do homem contemporâneo” surge em razão do aumento das tensões que vivem os seres humanos na sociedade do século 21.
De 1950 para cá, a população mundial quase triplicou, passando de dois e meio bilhões de habitantes para mais de seis e meio bilhões.
Domenico de Masi ressalta que na metade do século XIX, a vida média dos homens era de 34 anos e das mulheres 35. O homem de Neandhertal vivia 29 anos, portanto apenas seis a menos que nossos bisavós. Entretanto, em apenas duas gerações a vida média do homem aumentou 40 anos; e hoje o homem vive em média 75 anos.
Este crescimento populacional extraordinário não se deu somente pelo aumento de nascimentos, mas também pelo prolongamento significativo da longevidade, conseqüência dos avanços da medicina e da farmacologia. A expansão da população provoca uma série de impactos na vida do homem na sociedade moderna e no planeta.
São impactos de ordem ambiental, ocupacional, emocional, política e econômica, entre outros, conseqüência da necessidade de habitação, abastecimento de água e eletricidade, coleta e tratamento de esgotos, serviços de educação, saúde e transportes, sistemas de segurança pública e privada, construção de equipamentos e sistemas viários, serviços de comunicação, trabalho remunerado e lazer.
A realização desta infra-estrutura e seus derivativos geram empregos e a arrecadação de tributos de um lado; porém, de outro lado, aceleram a exaustão do estoque de recursos naturais e a produção de resíduos poluentes de diferentes conteúdos.
Aristóteles (384 - 322 a.C.), embora não conhecesse as exatas dimensões do planeta Terra, intuiu as conseqüências provocadas por qualquer superpopulação:
• Sempre que houver superpopulação haverá pobreza. E as conseqüências da pobreza são: dissensão cívica e violência.
• If no restriction is imposed on the rate of reproduction (and this is the case in most of our existing states), poverty is the inevitable result; and poverty produces, in its turn, civic dissension and wrongdoing.
• Em “A Política”. The Politics of Aristotle edited and translated by Ernest Barker – Oxford University Press – page 59 – Ideal States in Theory.
Em 1798, o Reverendo Thomas Malthus faz um outro alerta sobre o mesmo tema. Como só considera a população e a capacidade de se produzir alimentos (duas variáveis apenas), sua tese é superada pelos fatos, entre eles, a revolução industrial e suas conseqüências de produção em série, inclusive de alimentos.
Recentemente, a questão ambiental, nos induz a pensar em, pelo menos, quatro variáveis: (1) o tamanho do planeta, (2) o crescimento populacional, (3) a diminuição dos estoques de recursos naturais e (4) o aumento de todas as formas de poluição.
Se estes vetores não forem alterados, excetuando a dimensão do planeta que é imutável, caminhamos para uma possível e provável situação de estrangulamento futuro. Não sabemos, ainda, avaliar as conseqüências oriundas de um quadro formado pelas variáveis acima enumeradas.
Os impactos ambientais podem provocar alterações climáticas de tal ordem, obrigando grandes contingentes populacionais a promoverem migrações em escala planetária. Além do aquecimento global, apenas a parte mais evidente do impacto ambiental em discussão neste momento, existem outras situações a serem consideradas. Entre elas, tão preocupante quanto à elevação da temperatura no planeta, é a questão da poluição dos recursos hídricos e sua conseqüente escassez em diferentes aspectos da vida humana futura.
Embora relegados, inicialmente, à área das ciências agrárias, a utilização dos recursos hídricos é parte indissociável das ciências humanas e fator essencial à condição humana na modernidade. Sabemos que boa parte da poluição dos recursos hídricos é decorrente da inexistência ou da insuficiência de sistemas de tratamento de esgotos, especialmente nos chamados países menos desenvolvidos.
O professor Adam Smith (1776) dizia que as coisas têm pelo menos dois valores: valor de uso e valor de troca. A água, por exemplo, dizia ele, só tem valor de uso, enquanto os diamantes têm valor de troca. Sem que ainda tenham se passado dois séculos e meio desta afirmação, a água já tem valor de troca.
“Deve observar-se que a palavra VALOR tem dois significados diferentes; umas vezes exprime a utilidade de um determinado objeto; outras, o poder de compra de outros objetos que a posse desses representa. O primeiro pode designar-se por ‘valor de uso’; o segundo por ‘valor de troca’. As coisas que têm o maior valor de uso têm, em geral, pouco ou nenhum valor de troca; e, pelo contrário, as que têm o maior valor de troca têm, geralmente, pouco ou nenhum valor de uso. Nada é mais útil do que a água: mas com ela praticamente nada pode comprar-se; praticamente nada pode obter-se em troca dela. Pelo contrário, um diamante não tem praticamente qualquer valor de uso; no entanto, pode normalmente obter-se grande quantidade de outros bens em troca dele”.
Há pelo menos três correntes de pensamento sobre a discussão dos limites ecológicos impostos à humanidade neste início do século 21: (a) uma que afirma que não há mais tempo para reversão das tendências em vigor, e que por isto caminhamos para uma situação de estrangulamento futuro, com diferentes conseqüências para todas as formas de vida no planeta; (b) outra que afirma que a tecnologia avançará encontrando as soluções exigidas pela humanidade; (c) e finalmente, a que afirma ser infrutífera qualquer tentativa de discussão sobre o futuro do homem, uma vez que sua história é inevitavelmente evolutiva, imprevisível e incontrolável.
As ciências, sobretudo as humanas, seriam apenas descritivas e interpretativas do passado e especulativas em relação ao que está por vir.
Contudo, a tendência de aplicar ainterdisciplinaridade para o entendimento e projeção dos caminhos do homem, mostra que o conhecimento específico e disperso não acompanha a complexidade do fenômeno da vida.
Aliás, na medida em que o conhecimento foi sendo departamentalizado, pulverizado e especificado, mais distante foi ficando da compreensão total do fenômeno humano.
A academia moderna de um lado e a modernidade do outro perderam o foco sobre o homem vitruviano, concebido por Marcus Vitruvius Pollio, arquiteto romano, e explicitado por Leonardo da Vinci, pensador universal renascentista.
A interdisciplinaridade é o retorno ao conceito deuniversitas, palavra latina que dá origem à universidade.
A pulverização do conhecimento, tentativa moderna de compreender com mais intensidade a condição humana, nos afastou da integralidade do ser e nos fez mais inseguros e incertos sobre possíveis convicções.
Pretender obter a visão global tornou-se uma heresia num mundo onde a maioria é induzida a querer conhecer mais da partícula e menos do todo.
É necessário considerar que existiram três estágios pelos quais os homens passaram ao longo de sua evolução: (1) o domínio da agricultura, (2) o domínio da máquina, e por último, (3) o domínio da informação. É possível que o quarto domínio venha a ser o domínio sobre ele mesmo. Entramos no século 21 com este panorama: dominamos diversas técnicas e tecnologias e, no entanto, não somos capazes de dar solução às necessidades de saúde, educação, moradia e trabalho para mais da metade da população mundial. Ainda estamos aprendendo a tratar adequadamente nossos excrementos.
O estudo acadêmico transformou-se numa babel de afirmações, muitas delas perdidas em si mesmas. A especificidade exigida, ao invés de colaborar para o entendimento de nossa integralidade, provoca uma desconexão absurda sobre os diversos aspectos da vida, por si só, grandiosos demais para a pretensão da mente humana.
Estudos mais atuais, como por exemplo, “The end of world population growth in the 21 st century”, publicados em 2004 por Wolfgang Lutz e outros, afirmam que em algumas partes do planeta, notadamente na Europa e no Japão, há uma estabilidade numérica da população e o conseqüente envelhecimento dela. Argumentam que quando determinada quantidade de pessoas atinge certos níveis de consumo material, saúde e escolaridade, há uma quase certeza de estabilidade. Porém, não sabem como explicar que em outras partes do planeta, nos Estados Unidos da América, por exemplo, onde existem as condições referidas próximas às européias e japonesas, continua o crescimento da população.
Afirmam que doravante teremos que estudar a questão populacional sob duas óticas entrelaçadas:sua expansão em algumas regiões e seu envelhecimento em outras.
Contudo, ainda que estes estudos advirtam sobre a importância das previsões referentes ao crescimento populacional, seus autores lembram:
“Demographers can no more held responsible for inaccuracy in forecasting 20 years ahead than geologists, meteorologists, or economists when they fail to announce earthquakes, cold winters, or depressions 20 years ahead. What we can be held responsible for is warning one another and our public what the error of our estimates is likely to be”, escrito por Nathan Keyfitz, em 1981, considerado um dos maiores demógrafos do século 20.
Assim, fica evidente a temeridade de projeções de ordem geológica, meteorológica, econômica ou demográfica na visão de um respeitável estudioso da matéria.
O fato relevante nesta proposição é que ainda que caminhássemos para uma estabilidade e conseqüente envelhecimento populacional ao longo deste século, não poderíamos deixar de avaliar as conseqüências dos impactos ambientais e das transformações tecnológicas globais, visto que são elas, também, as responsáveis pela criação de sociedades com bons níveis de consumo material, saúde e escolaridade.
Mais uma vez, o professor Adam Smith, em relação às transformações decorrentes da modificação dos sistemas de produção, antecipou algumas conseqüências da introdução de novas máquinas na vida dos trabalhadores:
“O grande aumento da quantidade de trabalho que, em conseqüência da divisão do trabalho, o mesmo número de pessoas é capaz de executar deve-se a três circunstâncias: primeira, o aumento de destreza de cada um dos trabalhadores; segunda, a possibilidade de poupar o tempo que habitualmente se perdia ao passar de uma tarefa a outra; e, finalmente, a invenção de um grande número de máquinas que facilitam e reduzem o trabalho, e tornam um só homem capaz de realizar o trabalho de muitos”.
Percebe-se claramente pela leitura acima, um dos cenários da condição humana na modernidade: o aumento da destreza, a redução do tempo e a melhoria da capacidade de produção do homem em razão da utilização da tecnologia da informação, os computadores, por exemplo.
De novo, numa visão interdisciplinar, há que se compreender que a tecnologia da informação, assim como outras descobertas anteriores, tais quais: a eletricidade, a radiofonia, a telefonia, a aviação e a televisão, acontecem na medida em que aumenta o nível de escolaridade do homem e a população.
Não há como provar este argumento. Mas, é como se o espírito curioso e inventivo do homem encontrasse soluções para as necessidades de cada estágio, adverso ou não, do processo civilizatório.
De Masi faz alusão ao homem antes do invento da roda, desnecessária por estarmos numa era glacial, onde o instrumento de locomoção era o esqui. Na medida em que começou o degelo, o esqui deixou de ser útil e tempos depois o homem inventou a roda para facilitar seus deslocamentos.
Durante um longo período, então, o homem percorria seus caminhos a pé, sobre o lombo de algum animal, cavalos e camelos – por exemplo, sobre as rodas das carroças puxadas por algum animal, remando ou velejando com suas embarcações. Em 1825, há menos de dois séculos, com a primeira linha ferroviária entre Manchester e Liverpool, a locomotiva a vapor altera profundamente a velocidade, o tempo e a capacidade de transporte de carga do homem.
Do trem passamos aos navios, aos automóveis e aos aviões. Deles às naves espaciais. Todos propelidos pela combustão dos motores.
Zeitgeist, o espírito do tempo, neste inicio de século 21 é uma tentativa alucinante sobre a possibilidade de conciliação entre crescimento econômico e sanidade ambiental. A discussão que preside todas asagendas internacionais é a capacidade do planeta em suportar o crescimento contínuo nos moldes em que o praticamos. (carrying capacity).
A constante, e cada vez mais acelerada, transformação tecnológica imporá alterações inusitadas nos sistemas produtivos globais, provocando uma nova situação, onde o emprego e a atividade laboral remunerada podem vir a ser cada vez mais escassos em relação aos que deles precisam.
Assim, torna-se relevante o estudo destas questões na tentativa de desenhar cenários em que a condição humana na modernidade existirá.
Seremos capazes de nos adaptar aos impactos ambientais provocados por nossos métodos de produção e expansão populacional?
Teremos condições de sustentar com trabalho remunerado, moradia e alimentação, educação e saúde, todos os seres humanos?
Qual o cenário existencial para aqueles que não forem aproveitados ou não puderem ser aproveitados pelos sistemas produtivos globais em razão das transformações tecnológicas?
A inovação tecnológica poderá solucionar os problemas ambientais existentes e em processo de intensificação da degradação?
O trabalho humano, fonte da realização primeira do ser, será cada vez mais padronizado e impessoal ou permitirá a expressão individual do homem?
Afora a questão populacional é relevante pesquisar as conseqüências das transformações tecnológicas da sociedade global na vida do homem contemporâneo, sobretudo no que se refere às relações de produção e trabalho.
Espera-se da evolução humana não só a melhoria das condições materiais, como também uma evolução moral no sentido de diminuir a fome, a falta de moradia e o desemprego.
A condição humana na modernidade deveria existir e prosperar num ambiente sadio, sob vários aspectos, inclusive do ponto de vista ecológico.
Não por acaso está ocorrendo uma apropriação crescente do prefixo eco para inúmeras atividades e ciências da modernidade. Para exemplificar: do ecoturismo a eco psicologia.
O conflito existente entre economia e ecologia precisa ser desconstruído.
Ainda que ocorra decréscimo populacional no planeta e, consequentemente, envelhecimento da população, ter-se-á que considerar a intensificação do uso dos estoques de recursos naturais, bem como a crescente poluição, visto que a economia de mercado, hoje instalada em escala global, é estimuladora de consumo exponencial.
Com o fim da bipolaridade ideológica mundial, capitalismo versus comunismo, aceitou-se a prevalência absoluta da sociedade centrada no mercado. O mercado não tem limites para sua expansão porque tem a capacidade de ser reinventado diariamente. Ele absorve e expele pessoas, recursos naturais e tecnologias na medida de suas necessidades, sem nenhum compromisso com qualquer tipo de estabilidade, senão a sua. Se a lógica do mercado for intensificada e continuar a presidir as relações entre os homens, os que não puderem ser absorvidos por ele, perecerão de maneiras mais ou menos trágicas. Não haverá espaço para o exercício da solidariedade humana.
Aliás, o homem só terá importância enquanto puder ser consumidor. Quando perde a capacidade de consumir passa a ser um estorvo social: um custo para o Estado.
Que mecanismos poderiam ser criados para aproveitar cidadãos desempregados na restauração dos diferentes ecossistemas do planeta? Quais poderiam ser os mecanismos de remuneração? As formas de reciclagem são alternativas econômicas para o futuro?
Além destas, outras questões imediatamente decorrentes, entre elas os sistemas previdenciários estatais devem ser discutidos em razão do possível envelhecimento populacional.
Fazer previsões para um indivíduo é temerário. Fazê-las para a humanidade, muito mais.
No entanto, fatores como população, recursos naturais e poluição são inevitáveis para qualquer tentativa de compreensão da vida humana associada no presente.
O exercício intelectual não deve ser apenas uma reflexão sobre o passado, mas, ao contrário, uma proposição para o futuro


sábado, 10 de março de 2007

A RETÓRICA É A OUTRA FACE DA DIALÉTICA


Segundo Aristóteles a retórica é “a outra face da dialética; pois ambas se ocupam de questões mais ou menos ligadas ao conhecimento comum e não corresponde a nenhuma ciência em particular.” Aristóteles considera que a retórica é indispensável à política ou aos discursos políticos. Segundo Aristóteles:
“É, pois, evidente que a retórica não pertence a nenhum gênero particular e definido, antes se assemelha à dialética. É também evidente que ele é útil e que a sua função não é persuadir, mas discernir os meios de persuasão mais pertinentes a cada caso, tal como acontece em todas outras artes; de facto, não é da medicina dar saúde ao doente, mas avançar o mais possível na direcção da cura, pois também se pode cuidar bem dos que já não estão em condições de recuperar a saúde.” (Retórica, I, 1355b, 41)
A retórica, para Aristóteles, não representa um verdadeira mal, pois a injustiça de um discurso retórico político, injusto não se encontra na retórica, mas sim na política, uma vez que a retórica não corresponde a nenhuma ciência em particular:
“Dizer a política é arquitetônica com relação à retórica implica dizer que o fim da retórica sempre estará a serviço de o fim da política e, assim, como sabemos que o fim da política é o bem humano ou a vantagem comum, a retórica pode ser salva. Se ela estiver sendo utilizada injustamente, não é da competência da retórica, mas da competência da política, corrigir a situação. Para isso, só será necessário apelar para o critérios, já bem estabelecidos pelo autor na constituição correta e poder político. (ARISTÓTELES,1985). “Este, única forma legítima de poder numa cidade propriamente tal, consiste em exercer o poder em beneficio dos governados, o que, em ultima instancia, virá constituir a salvação a arte de persuadir.” (YAMIN s.d., 745)